Dra. Priscila Magossi (Comunicação e Semiótica/PUC-SP) é pesquisadora científica (ABCIBER/CENCIB), ativista dos direitos humanos, e autora/fundadora do projeto New Camming Perspective (NCP): um programa de treinamento para modelos online, desenvolvido com base em seus 17 anos de estudos acadêmicos em ciências sociais aplicadas (2003-2020) e 10 anos de experiência no mercado de webcamming (2010-2020). O público-alvo do projeto são mulheres que desejam se emancipar da tradicional visão sobre este trabalho, que reduz as profissionais a meras produtoras de conteúdo sexual. A NCP tem como um de seus focos a fidelização dos usuários nas salas das modelos a partir do desenvolvimento de conexões afetivas entre ambos.
“A NCP parte de uma premissa muito pontual, a de que (1) pornografia, (2) freemium camming e (3) premium camming são serviços muito diferentes, apesar de oferecidos no mesmo segmento de mercado, que é a Indústria Adulta. Tanto a pornografia quanto o freemium camming (salas públicas de videochat) são metodologias de trabalho baseadas na satisfação sexual imediata com pouca ou nenhuma conectividade emocional. O premium camming (sessões privadas), por sua vez, pode ser compreendido pelo acolhimento afetivo gerado a partir da intimidade entre a modelo e o usuário em apresentações particulares. Um dos desdobramentos de uma relação com maior intimidade são experiências mais elaboradas, com fantasias e fetiches (desvio do desejo sexual para uma performance específica)”, explica Priscila.

Para a autora, a importância em desfazer a associação do camming (interatividade e conexão) com a satisfação sexual instantânea é a possibilidade de uma mulher ser valorizada, no mundo adulto, por qualidades que não priorizem seus atributos físicos, mas que também englobem aspectos emocionais e intelectuais tais como empatia, inteligência e boa capacidade de comunicação verbal.
“O Camming no Brasil se expressa, em geral, como extensão do “pornô lésbico” (termo mais acessado em sites de pornografia por brasileiros). No entanto, a New Camming Perspective (NCP) caminha em outra direção ― não necessariamente oposta mas, certamente, muito diferente. As diretrizes do nosso programa de treinamento se baseiam em trabalhar diversas formas de criar vínculos afetivos e intelectuais com os usuários ao invés de realizar shows eróticos sem nenhuma conectividade emocional. Um dos benefícios desta abordagem enquanto modelo de negócios está no aumento da produtividade da camgirl, no menor desgaste físico) e na fidelização do usuário, convertendo, assim, em maior lucratividade.”, sintetiza Priscila.
A New Camming Perspective (NCP) tem sido desenvolvida e aplicada pela indústria internacional de webcamming desde 2016. A nova abordagem é constantemente reconhecida e premiada internacionalmente: já foram mais de 30 premiações/nomeações (2016-2020) recebidos pelos eventos de maior prestígo do mercado, tais como AVN, AWSummit, Lalexpo, Live Cam Awards, XBIZ e YNOT. Entre as premiações mais recentes estão os prêmios honoríficos das empresas Diva Traffic para o projeto propriamente dito; pelo seu impacto no mercado, e Terpon; para a autora, pelo pioneirismo e qualidade de sua pesquisa, durante o EXEC AWARDS 2019 ― uma premiação exclusiva para executivos da indústria, realizada pelo AWSummit, em Mamaia (Romênia). Além disso, a autora possui uma coluna na AVN ― principal revista deste segmento de mercado ― na qual escreve artigos quinzenais (em inglês) sobre temas polêmicos de grande relevância social, tais como “plágio na indústria adulta” e “liberdade e opressão no setor”, por exemplo.

Apesar do reconhecimento internacional e da autora ser brasileira, a inserção do projeto no Brasil se deu a convite da modelo e ativista Juliana Villegas (@julianavillegas), em meados de outubro de 2019. Naquele momento os principais sites brasileiros de webcamming estavam importando as práticas mais nocivas do setor, como, por exemplo, restringindo o tráfego de usuários para as salas das modelos à condição de terem que se sujeitar a fazerem performances de “pornô lésbico” ― shows de 2, 3, 4, 5 mulheres juntas em anúncios publicitários ― e à seguirem maratonas de 72h online sem parar a fim de concorrerem a um “prêmio” do site. Essa foi a “gota d’água” para muitas modelos que, indignadas, começaram a protestar e se organizaram para que esse tipo de abuso tivesse um fim. E elas conseguiram: maratonas e demais barbaridades nunca mais se repetiram!

“Vale a pena pontuar que shows eróticos ou pornografia não são um problema em si, desde que estas metodologias de trabalho sejam escolhidas livremente pelas modelos e não uma imposição das empresas para que elas consigam tráfego de usuários. Além disso, a NCP não tem o objetivo de estabelecer relações hierárquicas entre um serviço e outro, mas sim o de oferecer uma alternativa a mais para o setor, voltada para um público-alvo específico de modelos e de usuários que se identifiquem com essa abordagem”, esclarece Priscila.
Em síntese, a New Camming Perspective (NCP) é uma metodologia operacional que tem como propósito (1) humanizar o setor a partir da luta por condições de trabalho mais dignas, inclusive expondo práticas abusivas e opressivas deste mercado; (2) colaborar para a inserção social da modelo online; (3) aumentar a remuneração do trabalho e as margens de lucro por meio da elaboração de um perfil específico de usuários: aquele que seja capaz de compreender que pagar por um serviço não lhe dá o direito de objetificar e maltratar quem o oferece.
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SOBRE A AUTORA
Priscila Magossi é jornalista (Mackenzie-SP/Brasil), Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP/Brasil). Desde que começou sua jornada pelo campo científico, Magossi tem estudado os impactos dos meios de comunicação de massa e da cibercultura na sociedade pós-moderna, com foco, prioritariamente, na dinâmica dos vínculos sociais. Magossi é autora do projeto NEW CAMMING PERSPECTIVE (newcammingperspective.com): um estudo formal sobre a indústria de Live Cams, desenvolvido originalmente na língua inglesa. Entre os principais conceitos desenvolvidos estão: (1) Building Connections (“criando conexões”) entre modelos e usuários por meio do (2) Social Aspect of Camming (“aspecto social do camming”), o que só é possível de ser desenvolvido quando o (3) Social Traffic (“tráfego social”) é estrategicamente selecionado.

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